1 de fevereiro de 2012

Apenas um exemplo da fé irracional


Acabo de ler sobre um episódio triste envolvendo um jovem em Goiânia que teve 70% do seu corpo queimado por um motivo que me deixa envergonhado: ele voou com uma asa só. "Como assim, João?
Você tá maluco?" Explico: ele foi mais uma vítima do "evangelho" alienador pregado por pessoas que se esqueceram de viver no mundo real. Mais uma vítima da pregação infantil daqueles que dizem que Jesus faz milagres, mas que não conseguem perceber nas páginas da Bíblia o Jesus orador, de belas palavras, carismático, preocupado com a injustiça. Esquecem-se do Jesus que queria ensinar, mas que não entregava ensinamentos mastigados. Fazia-o por parábolas, o que exigia abstração e raciocínio dos seus amigos ouvintes. Esqueceram-se do Jesus que não respondia às perguntas de ataque sem antes colocar seus críticos contra a parede através da autocrítica. Em resumo, esqueceram-se de que é preciso pensar.

São vários os trechos da Bíblia que muitos dizem ler que alertam para a necessidade de crer e pensar. Quando disse que ele voou com apenas uma asa, estou me referindo a um trecho da carta "Fides et Ratio", escrita pelo polonês Karol Józef Wojtyła, também conhecido como Papa João Paulo II: "A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio".

O tal jovem, vítima do "evangelho das emoções", movido pelo sentimento de "salvar o mundo" através do sobrenatural, subiu numa torre de alta-tensão e foi eletrocutado. Tenho vivido dias de deslocamento espiritual. Não posso deixar de afirmar minha fé em Deus. Não tenho motivos para negá-lo. Mas tenho motivos de sobra pra me envergonhar pelos meus irmãos que insistem em viver num mundo paralelo. Eu sei que Jesus falou que Seu Reino não era desse mundo, mas é aqui que vivemos e temos que viver até a Parousia.

Pra todo lado que se vá, vejo igrejas anunciando campanhas de oração por motivos de importância questionável. Não dá pra não enxergar tais campanhas como tentativas de barganhar com Deus. Parece que alguns pastores são algum tipo de "secretários" de Deus e que têm na agenda o dia certo em que Deus estará disponível para satisfazer as vontades dos seus "servos" (entre aspas porque nesse caso, Deus é colocado como servidor). Não me lembro de ter visto em igrejas anúncios de congressos para discutir assuntos como História da Igreja, influência da Igreja na sociedade, pontos positivos e negativos do Ecumenismo, visões sobre a Santa Ceia/Eucaristia, o significado do culto, o culto dos cristãos nos primeiros séculos, amor, sexo, amizade, a Igreja e o Capitalismo, educação dos filhos, educação financeira, Filosofia.

Não me lembro de ter tido nenhum incentivo na igreja para que eu estudasse, prestasse um vestibular, fizesse uma boa faculdade. Nos acostumamos de tal forma com a espiritualidade de fuga do mundo que nem nos damos conta dessas coisas. Será que viverei um dia em que as igrejas onde minha fé foi edificada exigirá de seus pastores não apenas dons espirituais, mas também o dom do intelecto? Não já passou da hora de perceberem que, no mundo em que vivemos, estudar não é capricho, mas necessidade? Que é bom a um pastor conhecer Teologia, Filosofia, Pedagogia, Psicologia e quantas "ias" forem necessárias pra lidar com pessoas? Os primeiros protestantes viam no pastor a figura do professor (daí a origem das togas usadas em algumas igrejas protestantes). Não temos História? Não temos passado? Por que nos esquecemos das nossas tradições protestantes, transformando nossos pastores em magos? Desculpe irmão, mas se seu cristianismo é assim, o seu Cristo não é aquele que discutia com os doutores e morreu pendurado na cruz.

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