25 de fevereiro de 2012

Enciclopédia da Ignorância Teológica

Em 2004, época em que eu era um assíduo participante de debates na internet através das listas de e-mail do Yahoo! Groups, eu compartilhei com um grupo de anglicanos um pequeno artigo do Philip Yancey chamado "Enciclopédia da Ignorância Teológica". O artigo foi publicado em novembro de 2001, na última página da Revista Enfoque Gospel. Pra mim pelo menos, o texto foi uma lição de como lidar com questões cuja importância para a vida espiritual é secundária e, em alguns casos, até irrelevantes. Pretendo, um dia, com mais calma, falar sobre alguns desses assuntos que, creio eu, são irrelevantes mas que, para maioria esmagadora dos evangélicos (e até mesmo para alguns católicos) são tratados como essenciais. Por enquanto, deixo aqui apenas o texto para reflexão.

"Eu sou o orgulhoso proprietário de um "Dicionário Oxford", que contém todas as palavras da língua inglesa. No lugar de uma
edição com 20 volumes que custa 3 mil dólares, consegui um volume único por apenas US$ 39,95, por ser sócio de um clube de livros. O volume contém todo o texto do dicionário, com a desvantagem de ter letras pequenas demais para a leitura. Por isso, comprei uma esplêndida lupa, do tamanho de um prato, fixado sobre um braço giratório com uma lâmpada fluorescente. Quando coloco a lupa contra uma palavra, ela aparece claramente no ponto do foco, enquanto os cantos ficam cada vez mais distorcidos.

Num perfeito paralelismo, pra mim Jesus se transformou no meu ponto focal de fé e, cada dia mais, tenho aprendido a manter o foco da lupa de minha fé nEle. Em minha jornada espiritual tenho parado nas margens, embaraçando-me em relação a problemas como a dor, o enigma da oração e a providência diante do livre-arbítrio. Quando faço isso, tudo se torna opaco. Olhar pra Jesus, porém, restaura a claridade. Por exemplo: a Bíblia deixa sem respostas várias perguntas sobre a dor, mas em Jesus vejo a clara prova de que Deus é o inquestionável Deus de todo o conforto, não o autor da nossa dor.

Admito que algumas doutrinas cristãs ortodoxas me preocupam. O inferno vai, mesmo, envolver uma eternidade de sofrimentos? E quanto àqueles que viveram e morreram sem ouvir de Jesus? Volto à resposta do bispo Ambrósio, o mentor de Santo Agostinho que, em seu leito de morte foi perguntado se temia encarar o julgamento de Deus. "Nós temos um senhor bom" – respondeu. Aprendi a confiar em Deus em áreas que eu não entendia buscando conhecer Jesus. Isso que soa evasivo reflete, precisamente, a centralidade de Cristo presente no Novo Testamento. Com Jesus como foco principal, deixamos nossos olhos navegar com cuidado pelas margens.

Geralmente me pergunto por que a Bíblia não dá respostas claras a essas perguntas das margens. Deus teve a oportunidade de falar sobre a dor em Seu discurso no fim do livro de Jó, mas, mesmo assim, Ele evitou inteiramente o assunto. A Bíblia trata de outras discussões – livre-arbítrio, salvação infantil, aniquilação – com indiretas, não pronunciamentos diretos. Eu tenho um teoria do porquê.

Em uma estante perto do meu dicionário, encontra-se um outro livro chamado "Enciclopédia da Ignorância". Enquanto a maioria das enciclopédias compila as informações que nós sabemos, o referido livro chama atenção para as áreas das ciências que não podemos ainda explicar. Talvez Deus tenha demarcado uma área do conhecimento: a enciclopédia da ignorância teológica.

Consideremos a salvação infantil. A maioria dos teólogos descobre algumas pistas que os leva a concluir que Deus recebe todas as crianças "abaixo da idade da responsabilidade". A evidência bíblica, porém, é insuficiente. E se Deus fizesse um pronunciamento claro: "Então disse o Senhor: todas as crianças abaixo da idade dos 10 anos serão recebidas no céu"?

Ao analisar a bagunça que fizemos com instruções claras – a unidade da Igreja, o amor como marca dos cristãos, a confiança na Graça de Deus e não em nossas obras, a importância da pureza pessoal, os perigos da riqueza – tremo só de pensar como poderíamos proceder se algumas doutrinas fossem menos ambíguas. Precisamos não repetir o erro do Jardim do Éden, assumindo prerrogativas em campos que não podemos penetrar.

Um exemplo é a doutrina da soberania de Deus, ensinada na Bíblia de uma forma que cria uma tensão em relação à liberdade humana. A perspectiva de um ser todo-poderoso que assiste a toda a história de uma só vez, em vez de desvendá-la segundo por segundo, sempre irá confundir os teólogos, porque esse ponto é inatingível para nós, e, até mesmo, inimaginável por nós. Uma abordagem humilde aceita a diferença na perspectiva e adora um Deus que transcende nossas limitações.

Obviamente, podemos e devemos investigar alguns temas que chamo de "margens". Tenho sido ajudado, por exemplo, pela descrição que C.S. Lewis faz do inferno, em O Grande Divórcio, como um lugar que as pessoas continuam a escolher mesmo quando terminam por lá. Como diz o Satã, de Milton, "...é melhor reinar no inferno do que servir no céu". Continuo insistindo em que as questões mais importantes sobre céu e inferno (Quem vai pra onde? Há uma segunda chance? Como são decididos os castigos e as recompensas? Se há estágios intermediários depois da morte física) são, no mínimo, opacas. Cada vez mais, sou grato pela ignorância e grato porque o Deus que se revelou em Jesus é Aquele que sabe todas as respostas".

Philip Yancey é jornalista e teólogo protestante, escritor de vários livros, entre eles Maravilhosa Graça.
(Tradução de Rachel Vieira Belo de Azevedo)

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